O Jardim das Princesas no Museu Nacional do Rio de Janeiro leva esse nome desde que Teresa Cristina de Bourbon transformou esse lugar em um espaço em que cuidava das filhas, Isabel e Leopoldina, enquanto fazia os bonitos mosaicos que lá enfeitavam os bancos de pedra e que por 150 anos resistiam. Lá foi feita uma importante foto para a ciência no Brasil, reunindo Édison Carneiro, Raimundo Lopes, Charles Wagley, Heloísa Alberto Torres, Claude Lévi-Strauss, Ruth Landes e Luis de Castro Faria. O ano era 1939 e Heloísa Alberto Torres era a diretora, a primeira diretora, cujo mandato se iniciara um ano antes. Ficaria por lá mais 15 anos, buscando transformar o antigo palácio real em uma instituição de conhecimento e pesquisa. Sua tenacidade, célebre, fez com que conseguisse reunir durante esse período ainda mais pessoas e história para aquele Museu. Museu que sofria com falta de investimento há tempos, agravado nos últimos anos, e que terminou com o incêndio de ontem.
A foto, feita há quase 80 anos, tem uma larga história. Que foi sobreposta a outras, mais antigas ainda, do museu que nesse ano completou seu segundo centenário, mas que abrigava peças e documentos de épocas muito anteriores. Quem olha para a foto, ou teve a chance de pisar no jardim nela retratado, deve ter entendido o que aquele Museu significa, para as ciências e para o país. E talvez sentido um pouco a missão – pois é disso que se trata em um país em que preservar a história é mais um desafio do que uma prioridade – de uma instituição de memória. O trabalho de funcionários e pesquisadores, em garantir que, como uma espiral, fossem se conectando as histórias de pessoas há muito ausentes, com as nossas, que as lembramos e as tecemos.
Essa espiral que conecta tempos distintos, reunidos em um espaço que deveria ser um privilégio manter, torna essa história de certa maneira como que incorporada nas pessoas que experienciam essa estranha mágica do lembrar. A dor dos funcionários, pesquisadores e alunos do Museu Nacional é angustiante. E nos faz perceber o impacto que o incêndio tem. Não apenas para essas pessoas, ou para os visitantes, mas para a forma como a memória do país está ameaçada.
Aqui a foto, parte agora do acervo do AEL, conectando as duas instituições desde que nos esforcemos por continuar a construir essa memória. E algumas outras fotos do acervo, sobre essa história do Museu. Inclusive de um de seus principais diretores, João Baptista de Lacerda, à frente da instituição de 1895 a 1915, em cuja gestão os cursos públicos foram regularizados.
Olhar para a ausência – esse tipo de ausência – causa sofrimento. Mas esse trabalho de memória deve continuar, na reunião de cada imagem e história que as pessoas que passaram pelo Museu tenham para partilhar. Sem pretender substituir seu inestimável acervo que se foi, mas para recordar essa perda. Assim o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista poderá continuar, agregando mais uma camada de história – essa mais dolorosa – em um momento em que essas narrativas estão tão em baixa conta no Brasil. Mas também quando mais precisamos delas.
O AEL expressa tristeza e indignação com o que ocorreu com o Museu Nacional na noite de dois de setembro de 2018, apenas alguns meses depois de seu bicentenário. E espera que esse sentimento possa servir de alerta para que outros museus, bibliotecas e arquivos - instituições de ciência, cultura e pesquisa - passem a receber mais atenção do poder público.